Pesquisadora descobriu que uma dose pode deixar a pessoa mais 'aberta'
por
Guilherme Rosa
A Universidade Johns Hopkins é principal centro de pesquisas com psilocibina nos Estados Unidos. A substância é um composto psicodélico encontrado em centenas de espécies de cogumelos alucinógenos,
cujo consumo altera a percepção, causa alucinações visuais, traz
euforia e pode dar início a experiências místicas. Aliás, esses
cogumelos eram usados desde tempos ancestrais em rituais xamânicos. Além
desses efeitos, a droga também pode causar as famosas “bad trips”,
quando seu consumo causa ataques de pânico nos usuários. Nem todo
cogumelo contém a substância – alguns são inclusive mortais se
consumidos por seres humanos.
As pesquisas
conduzidas na Universidade Johns Hopkins começam a abrir caminhos para a
compreensão de todos esses efeitos. Desde 2006, estudos conduzidos no
local tentam entender como a droga propicia as experiências místicas. No
ano passado, a pesquisadora Katherine MacLean realizou uma revisão dos
estudos anteriores e descobriu que a psilocibina altera a personalidade
de seus usuários para sempre – ela os deixa mais abertos a novas
experiências. A GALILEU conversou com a cientista sobre essas e outras
pesquisas conduzidas na universidade. Veja a entrevista completa:
Como você se envolveu com esse estudo?
Eu cheguei na Universidade Johns Hopkins para estudar
psicofarmacologia há 3 anos, quando eles já vinham fazendo esse tipo de
experiência. Só dois estudos haviam sido publicados. O primeiro é de
2006, mas eles eram muito similares. Um deles comparava os efeitos de
uma alta dose de psilocibina com uma dose de ritalina. O segundo
comparava diferentes doses de psilocibina e placebos. Eu quis estudar a
mudança de personalidade nos voluntários desses dois estudos, onde
tivemos 64 voluntários.
E o que você percebeu?
Descobri que 30 dos indivíduos relataram ter tido uma
experiência mística completa. As principais características dessa
experiência são uma sensação de unidade e conexão, a ideia de que tudo é
uma coisa só, que você está conectado a tudo no mundo, inclusive à sua
ideia de deus. A sensação de unidade é o componente principal, onde as
pessoas não sentem mais a separação entre elas e o resto do universo. Há
o sentimento de sacralidade, uma experiência do divino, de fora desse
mundo. Esses voluntários relataram sensações de felicidade, de paz
E essa experiência mudou suas vidas para sempre?
Nessa parte tivemos que confiar na palavra dos voluntários: 30%
relataram que foi a experiência mais significativa de suas vidas. Quase
todo mundo que tomou a alta dose disse que estava entre suas 10
experiências mais importantes. E nós também vimos que as mudanças de
personalidade foram maiores em quem teve as experiências mais pessoais.
Segundo seu estudo, essa mudança de personalidade deixou as pessoas mais abertas. Como isso aconteceu?
Existem 5 domínios de personalidade [abertura, neuroticismo,
extroversão, amabilidade e meticulosidade]. A abertura é uma categoria
relacionada à criatividade, imaginação, aos interesses em artes, em
musica, na expressão. Mais recentemente a abertura foi caracterizada
como a motivação de buscar novas idéias e experiências. Não há como
dizer se o aumento na abertura é necessariamente bom, mas nós temos
visto isto que ele traz benefícios em domínios como criatividade e
solução de problemas.
Esse tipo de mudança é comum?
Não, ela é rara em adultos. Os mais velhos tendem a ter uma
abertura menor do que os mais jovens. A mesma pessoa tende a dizer que é
menos aberta conforme envelhece. É possível como adulto ter uma mudança
de personalidade, mas o mais comum é ver isso em casos clínicos, como
em pessoas que são viciadas em drogas ou se recuperam de doenças.
Porque essa mudança aconteceu? Foi por causa de uma reação química no cérebro ou por conta da experiência vivida?
Eu sou muito interessada na parte bioquímica da equação. A
psilocibina age diretamente na serotonina, possivelmente também no
glutamato. Os dois podem estar relacionados à neuroplasticidade, o que
pode significar que a estrutura e função do cérebro podem mudar em um
adulto. Mas há pouca evidência para a gente falar que o cérebro muda
permanentemente. De outro lado, o efeito pode ser psicológico. Ao ter
uma experiência completamente diferente de qualquer coisa em sua rotina,
isso pode abrir suas perspectivas para o que você pensa ser possível na
vida comum. A mudança pode também ser relacionada às coisas que você vê
durante a experiência, ou ao modo como você pensa, que é diferente do
modo normal. Pode ser por causa das emoções diferentes, que você nunca
sentiu – nós podemos levar pessoas que nunca riem ou choram a fazer
essas coisas, a sentir essas emoções. Pode ser que, ao praticar um novo
repertório de emoções e sentimentos, você mude sua personalidade.
Como vocês conseguem a droga para as experiências?
Você tem que conseguir uma nova aprovação toda vez que vai fazer
um estudo. Quando o professor Roland Griffiths começou a fazer esses
estudos, ele tinha que conseguir várias aprovações e preencher vários
formulários, para várias agências do governo. Agora, como ele já fez
essas pesquisas, ele só precisa fazer uma emenda se formos fazer novos
estudos. A psilocibina é sintetizada por David Nichols, [professor de
farmacologia na Univesidade de Purdue]. Ele tem uma licença
governamental para produzir a substância.
Como administrar essa droga de modo seguro?
Nós desenvolvemos um jeito efetivo de aumentar as experiências
positivas e reduzir experiências negativas na aplicação da droga. Muitos
dos estudos com psilocibina foram feitos nos anos 50 e 60, e alguns
cientistas davam as substâncias para as pessoas sem dizer do que se
tratava. Mas logo ficou claro que isso não trazia bons resultados.
Alguns pesquisadores viram que se você passasse mais tempo com as
pessoas antes de sua experiência com a droga, se aprendesse mais sobre
sua vida, se os pacientes dividissem com você seus medos, tudo seria
mais tranquilo. Também temos que ter uma ou duas pessoas sóbrias
presentes durante a seção.
Mas quais são os perigos?
Há um cientista na Inglaterra [David Nutt] que categorizou todas
as drogas quanto à sua segurança e toxicidade, e a psilocibina e o LSD
foram consideradas entre as mais seguras. Mesmo assim, se houver algum
risco vindo da experiência, ele é psicológico. O maior efeito negativo
de seu uso pode ser a ansiedade, medo e clássica paranóia característica
da “bad trip”. Em nossos testes, nós vimos esse medo e ansiedade, mas
lidamos com isso sem remédios ou sedação, só oferecendo nossa mão para
segurar e ajudando os voluntários a saírem disso. Em alguns casos vimos
mudanças de temperamento ou demora em lidar com questões existenciais.
Alguns estudos mostram que os efeitos podem durar mais tempo em alguns
voluntários. Esses casos são aparecem em pesquisas antigas, então não
vimos nada desse tipo. Seria maravilhoso fazer testes clínicos maiores
para ver qual a freqüência desses casos. Só houve algumas centenas de
sessões nos anos recentes.
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É importante destacar que o modo como damos a psilocibina é
muito diferente do uso recreativo. Nós a aplicamos num modo
médico-terapêutico, controlamos todas as preocupações médicas e de
segurança. É até possível que pessoas sozinhas tenham uma experiência
boa com a psilocibina, mas nós desencorajamos as pessoas acharem que
nossos resultados podem ser repetidos em casa.
Você pode falar sobre os outros estudos em execução?
Eu estou envolvida em um estudo com voluntários saudáveis, que
não tenham experiências com psicodélicos ou meditação. Eles aprendem a
meditar e tem 2 ou 3 sessões de psilocibina. Queremos estudar o
desenvolvimento da meditação ao mesmo tempo em que se consome a droga.
Também temos um estudo com pacientes com câncer, para analisar seu
efeito em pessoas que têm ansiedade e depressão relacionados ao seu
diagnóstico. O terceiro é um estudo piloto menor, para ver se a
psilocibina ajudaria as pessoas a pararem de fumar.
Há um aumento nesse tipo de estudo?
Eu diria que há um aumento no interesse de pesquisadores jovens
nesse tipo de estudo. O problema é o pouco numero de universidades e
departamentos que queiram apoiar essas pesquisas, principalmente porque é
uma área nova. Além disso, mesmo com as pequenas doações de pequenas
instituições privadas, não há nenhum financiamento governamental desse
tipo de estudo.
http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI299674-17770,00-COGUMELOS+ALUCINOGENOS+ALTERAM+A+PERSONALIDADE+PARA+SEMPRE.html